sábado, 25 de setembro de 2010

Volta

Andei sumido por uns dias daqui.

estive em viagem de trabalho e pude ver muitas coisas, pensar muito, analisar algumas coisas.

Isso às vezes é imprescindível pra levar a vida adiante.
uma coisa que eu notei muito em mim neste isolamento compulsório que vivi nestas viagens foi pensar na relação de cobrança que temos com os Orixás.
Sempre que pedimos algo ou fazemos algum trabalho, ebó ou obrigação temos a nitida sensação de qeu tudo vai ser atendido conforme queremos.
Ledo engano. As coisas acontecem de um jeito que não podemos prever, nem com nosso principal oráculo podemos prever. Elas se encaminham de conformidade com as determinações de nossos Orixás, sem ser uma coisa escrita, pre determinada. São formas de conduzir que nos levam ao que pedimos. O problema é que nunca sabemos se esta forma de conduzir é o que queremos.
mas isso é devido ao fato de acharmos o tempo todo qeu a felicidade a que almejamos é um final, um ponto. O que esquecemos é qeu a felicidade está no caminho, no processo, na evolução, no dia a dia.
O pedido feito é uma forma de atingir satisfação, mas o qeu realmente importa é como será alcançado.

Neste ponto chego a uma questão fundamental em minha vida e em minha experiência: colocar a religião em cheque toda vez que não realizamos o que pedimos, ou simplesmente não queremos esperar que as cosas se ajeitem pra que se alcance o objetivo, ou pior, não nos sentirmos satisfeitos com o modo de chegar lá.
Vejo muitos desistindo de tudo por esse motivo.
Confesso também já ter pensado assim (as vezes ainda penso). Mas é pura falta de crescimento interior e de maturidade emocional. Nossos Orixás não são comerciantes tão pouco seres que vem aqui só pra comercializar nossas alegrias. São energias que procuramos nos relacionar através de comportamentos nossos, de oferendas, de iniciações e obrigações.

Um outro ponto importante é o do comportamento. Uma vez li em algum artigo assinado por D. Ruth Cardoso que o Candomblé é uma religião de comportamento, não de fé. Lendo assim ficamos com uma impressão errônea da religião. Mas olhando a fundo veremos qeu há muita verdade nisso. Se estamos em uma religião, seja ela qual for, e não a praticamos, podemos realmente falar que somos dessa religião? No caso específico de nossa religião, o Candomblé, se não nos comportamos segundo os preceitos da casa, da nação, de nosso Orixá de cabeça ou do momento em que vivemos, podemos falar que somos do Candomblé? Que estamos praticando uma religião afro?

Penso que não. Procuro seguir tudo o que determina meu Orixá, meu Pai de Santo, minha religião. Procuro não me esconder e divulgar desta forma para o mundo o que eu penso, o que eu sou, o que é minha religião. Acredito que com pensamentos assim e com comportamentos assim faremos muito pela nossa religião.



Axé!
a benção a todos.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

PRATICANDO A ALTERIDADE


Eu faço Lian Gong no Parque da Pedra da Cebola em Vitoria. É um exercício oriental desenvolvido pelo médico ortopedista chinês da Tradicional Medicina Chinesa. Ajuda muito nas dores na coluna e no corpo de maneira geral. Tem movimentos lentos, ritmados pela respiração completa, bem diferente do que conhecemos por ginástica. O local de prática é um toldo aberto para o parque e ao redor tem as pistas de caminhada e a área verde do parque, que é utilizada pelos moradores das adjacências como forma de praticar caminhadas, corridas e vários outros meios de exercitar o corpo e a alma. O que eu notei nestes dias de exercício é que as pessoas que passam e olham para nos com uma expressão de descaso ou ironia em relação aos nossos movimentos. O que é diferente ou dá medo ou desperta o riso infundado. Pensei nas diferenças enormes existentes entre as nações e casas de santo do Candomblé.
Desde sempre esse tipo de situação acomete a humanidade. O “diferente” é alvo de preconceito, gerado por uma crença, de escárnio, gerado por uma tentativa de supremacia, ou por ironia, gerada pela ignorância. Raras vezes pude ouvir comentários a respeito de tal ou qual situação diversa do comum, fundamentados em uma justificativa plausível. Explico: no Candomblé, cada nação possui características próprias de atuação e gênese, segundo preceitos e fundamentos únicos e exclusivos de cada uma, e que se acentua muito mais quando colocamos o entendimento e o conhecimento de cada Pai ou Mãe-de-santo. Quando se perde um desses velhos da religião, perde-se muito mais que uma vida. O conhecimento no Candomblé é passado de geração em geração, oralmente, e em casos de necessidade dentro do culto. Não há o porque de se ensinar algo que não será feito em algum rito necessário ao andamento das obrigações da casa. Portanto, muito já se perdeu do conhecimento original vindo da África. É dentro de buscas e permanências de tradições que vamos mantendo esse conhecimento. Por fim, se um indivíduo, dentro de sua história, não viveu ou vivenciou uma experiência de um ebó ou obrigação, ele fatalmente desconhecerá tal fundamento e não o levará adiante. Os filhos levarão somente o que seu Pai o Mãe conhece e que lhes ensinar.
Mas o meu foco aqui é também outro: as críticas  a algumas práticas observadas em outras casas de Candomblé. Lembro de um caso onde vimos uma saída de Iyaô em uma conhecida casa de Santo em Serra. Durante a saída de Oxalá, os orixás, incluindo um Oxalá velho, saíram de branco, como de costume, mas totalmente envoltos em mariwô. Neste momento notei e ouvi vários comentários da assintencia a respeito da interdição de Oxalá com o dendezeiro. O que pude notar é que ninguém questionou quanto à qualidade de Oxalá, quanto à origem daquela casa e da nação, e, principalmente,  na pertinência e uso deste “fundamento” naquele contexto. Ora, pelo pouco que sei esta árvore, sagrada para os adeptos do Candomblé, pertence também a Oxalá, pai do branco. Suas folhas, seu vinho, seu óleo branco pertencem ao reino funfun. Mas como toda luz trás consigo a sombra, nesta mesma árvore temos a quizilas de Oxalá.
Fiquei bastante intrigado com este fundamento, confesso, e curioso de encontrar sua explicação, já que não pertence aos fundamentos de minha casa e de minha nação. Mas o que mais ficou claro foi o tipo de desconsideração com o outro e o escárnio e risos vindo da ignorância e da arrogância.
Somos um povo que sofre demais com preconceitos e com esse tipo de situação de quem é de fora da religião. Por que trazer pra dentro de nós (nosso meio) esse mal? Que pode ser comparado a um câncer.
Isso nos torna alheios ao conhecimento além de arrogantes dentro de nossas casas.