EXU: a simbologia
Ao tratarmos da simbologia de Exú, temos que nos remeter a várias histórias que encontramos nos odus ou signos de interpretação das caídas dos búzios no jogo de Ifá. Estes odus nos trazem várias informações a respeito de todos os Orixás e, quando associados os 16 odus principais, transformam-se em 256 odus, cada um contendo um itan, ou lenda; o conhecimento destas 256 histórias está em poucas mãos e, muitas vezes, estão tão mudadas que sua interpretação é bastante complicada, portanto me limito aos textos encontrados em livros que, quando não vem acompanhado de uma interpretação antropológica, pelo menos permitem uma interpretação pessoal, onde busco, de maneira lógica, extrair do texto uma simbologia que traduza a mensagem.
O primeiro texto ao qual me remeto está em SANTOS (1986) e diz:
Exú Yangí, o Exú ancestre ou Exú-Agbá, o Exú pé do Okotô, Rei de todos seus decendentes. Exú Obá, é o Pai-ancestre mas ao mesmo tempo, o primeiro nascido. Esse significado de Exú está expresso no seu apelativo Igbá-Kéta, a terceira pessoa, o terceiro elemento (textualmente, a terceira cabaça). Seu caráter de descendente está expresso em muitos mitos; particularmente esclarecedora é a história Atórun d'órun Exú, do Odú Ogbé hunle, sobre o nascimento e a propagação de Exú no Aiyé e nos nove espaços do Orun. Esse signo apareceu para Orumilá quando Ele foi consultar os Babalawô, no dia em que Ele foi requerer uma criança a Orixá Igbô-wugi (Orixalá).
A história conta que nas remotas origens, Olodumaré e Orixanlá estavam começando a criar o ser humano. Assim criaram Exú, que ficou mais forte, mais difícil que seus criadores: (...). Olodumaré enviou Exú para viver com Orixalá; este colocou-o à entrada de sua morada e o enviava como seu representante para efetuar todos os trabalhos necessários. Foi então que Orumilá, desejoso de ter um filho, foi pedir um a Orixalá. Este lhe diz que ainda não tinha acabado o trabalho de criar seres e que deveria voltar um mês mais tarde. Orumilá insistiu, impacientou-se querendo a qualquer preço levar um filho consigo. Orixalá repetiu que ainda não tinha nenhum. Então perguntou: "Que é daquele que vi à entrada de sua casa?” É aquele mesmo que Ele quer. Orixalá lhe explicou que aquele não era precisamente alguém que pudesse ser criado e mimado no Aiyé. Mas Orumilá insistiu tanto que Oxalá acabou por aquiescer. Orumilá deveria colocar suas mãos em Exú e, de volta ao Aiyé, manter relações com sua mulher Yebiirú, que conceberia um filho. Doze meses mais tarde, ela deu à luz um filho homem e, porque Oxalá dissera que a criança seria Alagbará, Senhor do Poder, Orumilá decidiu chamá-la Elegbará. Assim, desde que Orumilá pronunciou seu nome, a criança, Exú mesmo, Respondeu e disse:
Mãe, mãe
Eu quero comer preás.
A mãe respondeu:
Filho, come, come Filho, come, come
Um filho é como contas de coral vermelho Um filho é como cobre, Um filho é como alegria inextinguível. Uma honra apresentável que nos representará depois da morte.
Então Orumilá trouxe todas as preás que pode encontrar. Exú acabou com elas. No dia seguinte, a cena se reproduziu com Exú pedindo e devorando todos os peixes frescos, defumados, secos etc. que existiam na cidade. No terceiro dia, Exú quis comer aves. Gritou e comeu até acabar com todas as espécies de aves. E sua mãe cantava todos os dias os versos acima e ainda acrescentava:
Visto que consegui ter um filho,
O que acorda e usa duzentas vestimentas diferentes,
Filho, continue a comer.
No quarto dia, Exú disse que queria comer carne. Sua mãe cantou como de hábito, e Orumilá troxe-lhe todos os animais quadrúpedes que pôde achar: cachorros, porcos, cabras, ovelhas, touros, cavalos etc., até que não ficou um só quadrúpede.
Eu quero comê-la!
A mãe repetiu sua canção: Filho, come, come, filho, come, come, e foi assim que Exú engoliu sua própria mãe.
Orumilá, alarmado, correu a consultar os Babalawô, que lhe recomendaram fazer uma oferenda de uma espada, de um bode e de quatorze mil cauris. Orumilá fez a oferenda.
No sexto dia depois do nascimento, Exú disse:
Pai, pai
Eu quero comê-lo!
Orumilá cantou a canção da mãe de Exú e quando este se aproximou, Orumilá lançou-se em sua perseguição com a espada e Exú fugiu. Quando Orumilá o reapanhou, começou a seccionar pedaços de seu corpo, a espalhá-los, e cada pedaço transformou-se em um Yangí.
Orumilá cortou e espalhou duzentos pedaços e eles se transformaram em duzentos Yangí. Quando Orumilá se deteve, o que restou de Exú ergueu-se e continuou fugindo. Orumilá só pode reapanhá-lo no segundo órun e lá Exú estava inteiro de novo. Orumilá voltou a cortar duzentos pedaços que se transformaram em duzentos Yangí. Isto se repetiu nos nove Orun que ficaram assim povoados de Yangí. No último Órun, depois de ter sido talhado, Exú decidiu pactuar com Orumilá: este não devia mais persegui-lo; todos os Yangí seriam seus representantes e Orumilá poderia consultá-los cada vez que fosse necessário enviá-los a executar os trabalhos que Ele lhes ordenasse fazer, como se fossem seus verdadeiros filhos. Exú assegurou-lhe que seria ele mesmo quem responderia por meio dos Yangí (pedaços de laterita) cada vez que o chamasse. Orumilá perguntou-lhe sobre sua mãe que havia sido devorada. Exú devolveu sua mãe a Orumilá e acrescentou:
Orumilá deveria chamá-lo Se ele queria recuperar a todos e cada um dos animais e das aves que ele tinha comido sobre a terra; ele (Exú) os assistiria para reavê-los das mãos da humanidade.
Orumilá e Yebiirú reinstalaram-se na cidade de Iworo, e a partir desse momento ela começou a dar à luz muitos filhos de ambos os sexos. A história continua com o translado para Ketu, a invocação de Exú para proteger da guerra, a vinda de Exú do Órum para os defender, a volta a Iworo, ensinando-lhes Exú como preparar e sagrar seu "assento", transferindo-lhe seu Agbará que executaria todos os "trabalhos" que lhe fossem solicitados e acaba por uma saudação, um oriki alusivo a suas características :
Exú come cachorros, come porcos. Bará anda senhorilmente, balançando-se para a direita e para a esquerda.
Todos os atacantes se afastam
Quando ele vem chegando senhoril e sutilmente.
Este é um texto bastante vasto e a autora se limitou a sintetizar a informação ressaltando os pontos importantes e dando ênfase às falas. Ao transcrevê-lo não coloquei os termos e frases escritas em Yorubá devido a uma dificuldade gráfica e a total ausência de necessidade de tais termos, me limitando a colocar suas traduções. Dito isto temos de esclarecer um fator importante, uma interpretação da tradução do número duzentos e o que "restou de Exú". Todo número inteiro acrescido de "um" (1), no dialeto Yorubá corresponde ao infinito ou a uma grande quantidade de coisas ou seres, portanto aqui temos Exú, não dividido em duzentos pedaços, mas sim em uma quantidade infinita de outros Yangí nos nove espaços do Orúm. Fixando-nos somente no número duzentos e o "um" restante, teremos o início, a continuidade em um outro espaço. O "um" é o princípio de tudo, apesar de ainda não manifestado, é dele que emana toda manifestação; é também símbolo da verticalidade, do falo ereto, do bastão vertical que Exú carrega: o Ogó; e o homem ativo, é o ser já criado, sem o sopro que lhe dá a vida e assim a manifestação, a dualidade. E, nesta história, o "um" ao ser dividido em duzentas partes se desenvolve e é dividido até o infinito, não esquecendo de repassar o um, a origem, ao espaço seguinte do Orúm para que seja repetida a operação, até que Exú chega a presença de Orumilá no nono e último espaço e faz o acordo que o colocará como "escravo" de todos os Orixás.
foto: Pierre Vreger
texto: extraido da monografia de graduação: "A Cerâmica e o Barro no Candomblé: O ORIXÁ EXU", de minha autoria.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirO primeiro a receber o louvor é o que faz tudo o que é até impossível!
ResponderExcluirPembelê, Njila!
Exu não e escravo de ninguém ,e sim o primeiro a ser louvado em qualquer ritualístico ,sem Exu não faz nada
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